TFM versão 2018 (ou Ode à
Conivência)
Não! Não diga nada!
Não fale nada!
Abaixe o tom
Aqui não há discussões, se lembra?
Cruze as pernas,
Puxe a saia.
Política (vetada!)
Gênero (negado!)
O neto surdo (não vale!)
O outro indolente (acate!)
O marido infiel (se cale!)
Os vários bastados (não cabem!)
Ao pai irresponsável (um afago!)
O cunhado no carro importado
Assedia uma puta (abonado!)
E diuturnamente
Tapam com esparadrapos
Escaras tão grandes
Quanto corações sangrados
Cobrem boca, ouvidos e olhos
Te julgam primeiro,
Mas não se julgam.
Culpam a vítima do escárnio,
Cumprimentam seus algozes
(ou os toleram, não sei o pior)
E na convivência amena
Nas trocas de mimos e agrados
Lhes falta o que mais ostentam:
o
laço
E, não por ignorância,
mas pelo pacto,
mas pelo pacto,
Pelo acordo tácito
(que carcome por dentro infinito
feito um cupim faminto)
E seguem a orar
celebrar
brindar
(em taças de plástico
para que não se quebrem ao toque)
Em nome da moral
da tradição
da boa convivência
da boa vizinhança
Conjuga-se ali o não-verbo
de
não-ação
Cognominado conivência
O maravilhoso indulto da conivência…
Não obstante, a conivência comete crimes
Graves, bárbaros, capitais:
Morre se de câncer naquele lugar;
Câncer de pulmão
Pela poeira guardada embaixo dos seus tapetes;
Câncer de estômago
Pelos sapos que se são obrigados a engolir;
Câncer no cérebro
Pela culpa que lhes acomete
Em momentos raros, mas não menos letais.
E, claro, são unidos
são cúmplices
Tiram
uma foto.
Chega
a ser
quase
comovente…
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