De por que o nascimento dos meus filhos não me
fez uma pessoa feliz
Calma! Antes de chamar
a promotoria da infância e da juventude, eu lhe convido a ler o texto até o
final.
Quando o Arthur, meu
primeiro filho, nasceu foi tudo muito confuso: entrei em trabalho de parto sem
dilatação, o Arthur estava em sofrimento fetal e eu tive uma cesárea de
emergência. Quando ele nasceu, eu me senti agradecida por ter dado tudo certo,
alegre por ele ter nascido, contente em ver sua carinha amassada. Mas não
necessariamente feliz – no sentido lato
da palavra.
Com os gêmeos foi
ainda pior! Além de agradecida e alegre, eu senti um imenso alívio! Tenho
certeza de que quem teve gêmeos e foi até o nono mês de gestação (sim! meus
gêmeos nasceram de 37 semanas!) sabe bem o que eu quero dizer. Mas sentir
“alívio” com o nascimento dos filhos não é uma coisa bonita de se falar, não é
politicamente correto.
O nascimento dos meus
filhos não inaugurou em mim uma mãe. A mãe na qual venho me transformando ao
longo dos anos começou a ser gerada bem antes dos meus filhos, quando ainda bem
jovem queria ter muitos deles, uma casa cheia, e agora, como mãe, continuo a
recrudescer.
E ter filhos também
não me transformou em uma pessoa plena. Sou uma pessoa plena sim, pois tenho
uma vida plena, realizo projetos, faço coisas interessantes e tenho filhos,
também. Não irei nunca impingir-lhes o motivo exclusivo da minha felicidade, ou
a culpa pela minha possível infelicidade. Meus filhos são parte integrante da
minha plenitude, mas não a encapsulam – a vida me foi sempre muito muito
generosa em vários aspectos, não serei-lhe mal-agradecida.
Como mãe, não sou uma
heroína, não sou uma guerreira, mesmo por que não acho que criar filhos seja
uma guerra em que haja heróis, nem guerreiros. Não há inimigos a vencer. Não
acho que a maternidade seja uma luta, um problema, a abdicação integral da
vida, um martírio. Acho que eu faço o que têm feito as mães ao longo de 10.000
anos de humanidade moderna na terra. Nem mais. Nem menos. Talvez o faça idiossincraticamente,
mas sem grandes méritos ou deméritos.
Meus filhos não me
consideram, nem me considerarão, uma santa, uma batalhadora. Não sou mártir, se
tivesse apenas um pedaço de pão, não dividiria em três e daria aos meus filhos,
dividiria em quatro, e comeríamos juntos: não posso me dar ao direito de
recusar meu quarto, sei a falta que eu faria a eles se eu não estivesse forte e
inteira.
Quando eu estou triste,
às vezes choro, e não lhes escondo minhas lágrimas. Eles me perguntam: “Mamãe
você está chorando?” E eu digo: “Sim, filho, estou um pouco triste neste
momento, não tem a ver com você, logo estarei bem.” Às vezes eu explico o
porquê, às vezes eu digo que não quero falar sobre o assunto naquele momento,
para que eles aprendam que também podem se dar ao direito de chorar, de sofrer,
e nem sempre a gente está preparado para falar sobre isso.
Eu sou ser humano.
E se às vezes eu erro
na educação deles, eu não erro porque “estava tentando acertar” como a maioria
das mães por aí... Eu erro porque sou ser humano! E erro muito! Ou erro porque
não estudei o bastante.
Ao contrário do que
muitos dizem, eu acho que filho vem com manual sim! Claro que não vem colado na
caixa, feito jogo de tabuleiro, mas está disponível a todos a filogênese da evolução
humana em termos de criação de filhos em suas mais diversas formas, e seus
eventuais desdobramentos: para o bem ou para o mal. Basta buscar nos lugares
certos. Eu, como cientista que sou, sempre gosto de uma boa e bem fundamentada
teoria.
Mas como disse, filhos
para mim não são uma batalha! Eu nunca padeci no paraíso, como diz o velho
dito.
Eu vivo, aproveito e
me delicio no paraíso de ser mãe. E não posso ser condenada por isso. Se decidi
ser Maria, e não Marta, e escolhi a melhor parte (como bem diz a parábola da
bíblia) essa não poderá me ser tirada.
A convivência diária e
diuturna com aquelas três crianças adoráveis, aqueles três seres humanos
incríveis, ao longo desses anos faz-me, sim, feliz. Muito feliz!
Claro que me lembro
com alegria de quando eram bebês, aquele cheirinho, aquelas gracinhas, o
fabuloso processo de aprendizagem de ser gente. Mas não concordo quando dizem
“que saudades!” ou “que pena que crescem!” O crescer é o mais incrível de ser
mãe. Ter o imenso privilégio de conviver com eles por tanto tempo, participar
com papel de tanta importância na vida desses meninos!
O Arthur com sua
justeza assombrosa, sua lealdade e sua grande imaginatividade; o Raul com sua
fantástica capacidade de agregar pessoas, se relacionar com elas, um grande negociador;
a Lisa, como diz minha mãe, “se não existisse, tinha de ser inventada”, tão
prestativa, artística e carinhosa.
Espantoso como são
versões tão melhoradas da minha pessoa, em todos os possíveis aspectos.
O prazer de vê-los
crescer, conviver com eles, conversar com eles, saber a opinião deles sobre as
coisas, brincar com eles: isso é o que me faz feliz.
Ver que estão se
tornando seres cada vez mais admiráveis e lindos por fora, e mais por dentro.
Saber que os amo mais (como se fosse possível amá-los mais que hoje), os amo
mais a cada dia porque os conheço de fato. Isso é o que me faz feliz. Mais
feliz!
Lembro-me do Arthur
ainda pequenininho, com uns dois anos talvez, num dia em que o colocava para
dormir depois de lhe contar uma história, eu disse:
- Tur, meu filho, eu te amo tanto! Você é um grande presente na minha
vida!
Ao que ele responde,
do alto da sua sabedoria:
- Presente, mamãe? Abre! Abre!
Eu abro, filho, todos
os dias. Cada dia eu abro três embrulhos maiores, melhores e mais lindos!
Ass: a mãe do Arthur,
do Raul e da Lisa.