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quinta-feira, 26 de março de 2009

A morte do trema

Assistia outro dia ao programa Sem Censura da TV Cultura, quando Leda Nagle entrevistava o Professor Cláudio da UFRJ sobre o enterro do trema (e seu devido – e tranqüilo – velório pelo próximo qüinqüênio).

Falava o professor das viuvas do trema e, como numa consulta psicanalítica, me reconheci na seqüência:

- Eu sou a viuva do trema!

A língua portuguesa sempre foi, para mim, a demonstração da grandiloqüência, mecanismo de estabelecimento de superioridade. Uma arma com a qual eu me distanciava de reles criaturas, os não iniciados, os (semi)iletrados. E o trema, minha munição!

Como alguém poderia escrever lingüisticamente correto sem saber manipular o trema? Era o meu diferencial! Usar o trema era sinônimo da eloqüência (vejo que já uso o pretérito imperfeito, ai meu Deus que tristeza...).

Agora mesmo, uma professora – ao ser argüida se se lembrava de uma palavra com trema – me disse: “Mas isso nem se usa mais.” Já enterraram o pingüim! E agora? Começa o qüiproquó! Agora os ignóbeis ganham eqüidade em relação à minha pessoa, uma vez que já não me vale mais minha grande habilidade em reconhecer o valor do meu tão querido trema!

Uma morte anunciada! Devo acrescentar.

Ao ser redargüida sobre minha opinião em relação à reforma ortográfica disse: o resto tudo bem, mas o trema! Ah, não! O trema não! Nunca fez mal a ninguém, coitado. Os hífens, os acentos em ditongos abertos em paroxítonas, estes sim deveriam ter sido banidos há tempos, essas são as verdadeiras obliqüidades da língua! Mas o trema é meu amigo!

Além de outras delinqüências que serão causadas pela retirada do trema: tornar-se-ão obsoletos artigos por mim escritos, minha dissertação, por exemplo, terá de ser atualizada! E olha que devem lá constar umas... cinco palavras com trema! Gente! Cinco palavras! Em cento e poucas páginas, cinco palavras! Isso torna praticamente inexeqüível sua leitura! Desmilingüiram-se, pois, dois anos de trabalho da minha vida! Tudo por causa do trema e sua ubiqüidade na língua.

Até entendo que a motivação da reforma foi estabelecer contigüidade em relação às “línguas portuguesas” pelo mundo. Mas a mudança não ocorrerá sem seqüelas!

O trema e seu séqüito (no qual eu me incluo) investigam a razão pela qual delinqüentes (e inconseqüentes) estabeleceram sua penosa retirada da regra ortográfica do português do Brasil. Conseqüentemente, reivindicamos, inclusive, usos antiqüíssimos do mesmo, como a licitude do seu emprego para diferenciação de ditongos, como saüdosamente se utilizava até o final da década de sessenta (e quantas saüdades... devo confessar...).

Mas curiosamente, com a retirada do trema, a língua portuguesa ficará... tremada, abalada. E eu, em minha viüvez, terei de superar sua morte e, após breve período de luto, serei obrigada a, de agora pra frente, me preocupar com as outras cinquenta (sic!) mil regras que a reforma foi incapaz de abolir.

4 comentários:

  1. Ótimo, ótimo. Eu também sou um viúvo do trema!

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  2. Mais um para a lista!! asuhashaushuh
    Que bom que você gostou Paulo!

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  3. O tempo passa e vamos ficando cada vez mais tradicionalistas. Me sinto viúva do termo "idéia", que agora não se acentua mais. Escrevia tanto essa palavra. Droga.

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  4. Pois é... a gente é viúva de um monte de coisas... hehehehe Bjs Ve.

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